A laicidade do Estado não acarreta consigo a laicidade da sociedade; o Estado moderno, antes de ser laico, é democrático - palavras de D. José Policarpo, Patriarca de Lisboa, na ordenação episcopal de D. Manuel Clemente, no Mosteiro dos Jerónimos
Manuel José Macário do Nascimento Clemente foi ordenado bispo auxiliar do Patriarcado de Lisboa, no mosteiro dos Jerónimos, na tarde de Sábado, dia 22. Foram bispos ordenantes o Patriarca D. José Policarpo, o Bispo emérito de Beja D. Manuel Falcão e o bispo coadjutor de Coimbra, D. Albino Cleto, a que se juntaram quase todos os bispos portugueses e cerca de duas centenas de padres.
Perante uma assembleia que enchia o mosteiro dos Jerónimos, com a presença da vereação camarária, dado tratar-se da festa de S. Vicente, padroeiro da cidade, em cerimónia de grande solenidade e profundeza litúrgica, o patriarca dirigiu aos presentes uma importante homilia, na qual, começando por salientar o papel do bispo como dinamizador e impulsionador da fé dos crentes e primeiro agente da evangelização, inseriu a seguinte passagem, motivo de reflexão para toda a sociedade civil:
"A solicitude de bom pastor situa o Bispo na primeira linha da solicitude da Igreja pela cidade dos homens. Embora a primeira obrigação do Bispo seja a de presidir à comunidade cristã, guiando-a na fé e na comunhão da caridade, ele encarna sempre a solicitude da Igreja por toda a comunidade humana. E é aí, mais do que em qualquer outra circunstância, que a sua conduta se pauta apenas pelo desejo de servir, sem se confundir nem aliar a nenhum poder deste mundo, embora respeitando a dignidade e o lugar específico dos poderes profanos, também eles ao serviço da mesma comunidade dos homens. Ao longo dos séculos não tem sido, nem simples, nem fácil, equacionar harmonicamente, a presença da Igreja na sociedade e a relação da Igreja com os outros poderes, ao serviço dessa mesma sociedade. As dificuldades e tensões que daí advêm constituem, tantas vezes, algumas das nossas atribulações. A clara separação dos poderes, na sua natureza, na sua identidade específica, na sua maneira de servir, constitui uma etapa importante para a harmonia da sociedade, não a privando de nenhum dos bens que cada um desses poderes, político, económico, cultural e espiritual, lhes pode proporcionar. Foi esta clara distinção dos poderes e da maneira de servir, que levou à consciência da laicidade do Estado, que não depende, nem se confunde, com nenhum dos outros poderes, antes deve garantir a todos o justo âmbito da sua expressão, para garantia do bem comum. A laicidade do Estado não pode ser concebida como afirmação contra ninguém, nem exclusão de dimensões justas e constitutivas da comunidade humana, como o é a religião e a fé, que não podem ser relegadas para o estreito campo da intimidade individual, pois por dinamismo próprio exprimem-se em comunidade e ganham visibilidade institucional na sociedade. A laicidade do Estado não acarreta consigo a laicidade da sociedade: esta é, por natureza, plural e complexa, rica em variadas expressões, entre as quais avultam as expressões religiosas. O Estado moderno, antes de ser laico, é democrático; e são as exigências da convivência democrática que lhe ditam a afirmação da sua isenção, mas também do seu serviço da sociedade como um todo. A Igreja respeita a laicidade do Estado; o ponto de referência da sua missão é a sociedade, mas espera do Estado democrático o reconhecimento da sua visibilidade institucional na sociedade, a qualidade do seu serviço múltiplo à comunidade humana, que o Estado pode apoiar, sem atraiçoar a sua laicidade".